Quem é novo por aqui pode não saber, mas eu tenho uma doença rara. No dia 28 de fevereiro é o dia das doenças raras. Uma doença rara é aquela que afeta uma pequeníssima parte da população mundial, no caso da minha afeta entre 1/180.000 nascimentos, sendo que é mais frequente em alguns estados americanos, Brasil e noutros países. Chama-se MSUD (Maple Syrup Urine Disease) ou em português Doença da urina de xarope de bordo ou Leucinose. Em Espanha é também denominada por enfermedad orina de jarabe de ácer. É uma doença autossómica regressiva, ou seja, é genética e hereditária e é necessário que os dois progenitores sejam portadores de 4 genes defeituosos (BCKDHA, BCKDHB, DBT ). Assim, o bebé será portador da doença, no entanto, no meu caso os meus pais não eram portadores do gene, foi feita uma nova mutação. A doença tem vários graus e depende da quantidade de enzima para decompor as proteínas nos seguintes aminoácidos: Leucina, valina e isoleucina e estes têm de ser absorvidos pelo corpo. Existe a mais leve que é a intermitente até à mais grave que é o meu caso a Clássica que se manifesta nos primeiros dias de vida.
Nasci no final de abril de 1994, não houve nenhum problema durante a gravidez e a minha mãe foi acompanhada durante toda a gestação. Fui enviada para casa após a realização do teste do pezinho e estava tudo normal. Com cinco dias de vida comecei com os sintomas da doença (recusa alimentar, sonolência, irritabilidade, vómitos, choro sem expressão facial, movimentos de bicicleta com as pernas). Os meus pais acharam estranho e levaram-me às urgências do hospital no Porto.
Lá eles achavam que eu não bebia bem o leite materno e deram-me um biberão normal de leite adaptado. Passado umas horas tinha entrado em coma após convulsões.
O diagnóstico foi-me dado dia 12 de maio de 1994, já eu tinha 13 dias de vida através de exames de sangue que vinham com 3384 de nível de leucina no sangue.
A leucina elevada no sangue é a que não pôde ser absorvida pelo corpo, tornou-se tóxica e podia matar células neurológicas. O valor normal é entre 68-200 no meu caso.
Passaram-se muitos anos e eu fui conquistando batalhas e com o tempo foi diminuindo os internamentos. Faço uma dieta restrita em proteínas e tomo uma fórmula de aminoácidos sem aqueles três que não posso tolerar.
O que aconteceu durante estes anos formei-me até completar o mestrado no ano passado. Tenho trabalho e moro sozinha fora do país. Falo 3 línguas com fluência e não tive sequelas da doença nem fui transplantada. Ainda mantenho a dieta, fórmula, mas não foi impedimento para nada. Tento adaptar-me e readaptar-me às situações.
O que me ensinou a MSUD?
A MSUD ensinou-me a ver e conhecer realmente as pessoas: Nem todas as pessoas são boas e algumas são muito especiais, mas conheço realmente as pessoas pelo olhar delas e saber em quem confiar e não.
Sei e conheço aquele olhar de pena: Aquele olhar que te ponhem quando veem que não podes comer o que eles comem. Olhar esse que me poem triste porque as pessoas olham de forma errada para mim. Por isso quem me conhece demorará um tempo em conhecer o meu percurso de vida. Em ver que não é olhar de pena, mas de orgulho de uma guerreira.
Ensinou-me a valorizar as pequenas coisas da vida as mais simples e que nunca me devem impedir de nada se não dá adapto.
A minha cozinha tornou-se um laboratório na qual recrio comida comum para mim e adapto pratos diversos,
Valorizo muito o que os meus pais e avós fizeram por mim e me criaram como sou aceitando-me.
Sou sensível sim muito, mas forte também. Tenho mais sensibilidade para a diferença. Sou mais humana e não sensível como uma flor.
Lidamos melhor com a diferença porque sabemos o que é sentir-se diferente.
Prefiro aguentar as penas que partilhar… Aprendi que nem sempre quero preocupar as pessoas ao meu redor e prefiro aguentar as dores e as dificuldades sozinha. Sou muito independente e dona de mim…
Sabemos o que é o bullying já fui alvo disso várias vezes em diversas situações de escola, trabalho, universidade etc... Até médicos o que me tornou ainda mais forte…
Tenho mais cuidado comigo e com o que como. Sou muito cuidadosa com tudo e com a doença. Aprendi desde cedo o que posso comer e a quantidade de tudo. Tento variar dentro do que posso e ainda faço uma festa quando encontro alguma novidade para colocar na dieta no supermercado.
Lido melhor com a dor física do que era esperado. Desde pequenininha sou picada para medir os níveis de leucina, isoleucina e valina no braço. Agora nem sinto as picadas só algumas vezes o meu braço fica pisado pela inexperiência de algumas enfermeiras, mas na Covilhã nunca tive problemas com as picadas às vezes nem sinto.
Não gosto de ir ao médico: Sei que é necessário ser seguido devido à patologia por vários médicos, mas não gosto de ir porque às vezes o médico não conhece a patologia e isso não me dá muita segurança.
Sou mais madura do que as pessoas pensam: Ás vezes penso que pareço mais adulta, mas terá sido a saúde e a patologia ligada a outros fatores que me fizeram crescer cedo demais em alguns aspetos. Mas continuo a "ter a minha criança interior"...
Aprendi que ajudo muito as pessoas através da minha história de vida ou somente ajudando a pais com meninos com a minha doença que têm algumas dificuldades. Ajudo em inglês, português e espanhol o que me fez ter uma visão mundial da doença e o fenómeno "Afinal não sou a ÚNICA!".
Conheci pessoas fantásticas através da doença e aprendi que cada conquista é para ser celebrada. Tenho sonhos sim, ter um trabalho fixo na minha área (ensino de português e espanhol) seja onde for, poder um dia formar uma família e ser mãe. Se o meu filho vier com a doença (pois existe 50% dessa possibilidade acontecer) ele será meu filho na mesma e terá todo o amor que eu tenho para lhe dar e a força e segurança de lidar com esta ou outra patologia que ele tenha.
Espero que tenham gostado e que lembrem-se de que as pessoas com doenças raras muitas vezes são essas doenças invisíveis ao olhar, não são deficientes nem discapacitados. São pessoas que são capazes de te surpreender com valores e com outras capacidades. Pois todos nós somos menos capacitados em alguma coisa na vida, ninguém é menos que ninguém.
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